sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Língua

Gosto de sentir a minha língua roçar 
A língua de Luís de Camões 
Gosto de ser e de estar 
E quero me dedicar 
A criar confusões de prosódias 
E uma profusão de paródias 
Que encurtem dores 
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa 
E sei que a poesias está para a prosa 
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala mangueira!
Fala!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode 
Esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas 
E o falso inglês relax dos surfistas 
Sejamos imperialistas 
Vamos na velô da dicção choo choo de 
Carmen Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E - xeque-mate - explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da 
TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homen
Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisas como Rã e Imã
Nomes de nomes 
Como Scarlet Moon Chevalier
Glauco Matoso e Arrigo Barnabé e maria da
Fé e Arrigo barnabé
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode 
Esta língua?
Incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível 
Filosofar em alemão 
Se você tem uma idéia incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível 
Filosofar em alemão 
Blitz quer dizer corísco
Hollyood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o 
Recôncavo
Meu medo!
A língua é minha pátria 
E eu não tenho pátria: tenho mátria 
E quero frátria
Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Samba -rap, chic-left com banana
Será que ela está no Pão de Açúcar?
Tá craude brô você e tu lhe amo
Qué queu te faço, nego?
Bote ligeiro
Nós canto-falamos como que inveja negros 
Que sofrem horrores no gueto do Harlem
Lívros, discos, vídeos à mancheia
E deixe que digam, que pensem e que falem



Caetano Veloso

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